segunda-feira, 9 de abril de 2018

Jesus é “um deus”? Será mesmo!?


Nesse artigo pretendo investigar outro argumento em favor da tradução indefinida de Jo.1.1c oferecida por TJs em defesa da leitura da TNM. O texto que temos analisado tem diversas características importantes para a gramática grega, e sua tradução depende da correta compreensão desses elementos.

Jo.1.1c em grego é desse modo conhecido: “καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος”. Para ajudar o leitor a compreender a composição dessa sentença usei cores para facilitar a visualização. A primeira cláusula que gostaria que o leitor observasse é a que vem em laranja: ὁ Λόγος – O Verbo. Note que essa sentença vem acompanhada de artigo ὁ. Em termos morfológicos observamos que essa clausula está no nominativo, masculino e singular, ou seja a tradução deve ser o Verbo, ou a Palavra, ou até mesmo, de modo mais livre, A Mensagem[1]. Essa clausula é o Sujeito da oração.

A segunda partícula que gostaria que o leitor observasse é a expressão em azul ἦν. Essa expressão é o verbo da oração do verbo ειμι (ser, estar). Morfologicamente esse verbo está imperfeito do indicativo na terceira pessoa do singular. Ou seja, trata-se de uma ação ocorrida no passado, era/estava. A que esse verbo no passado faz referência? Contextualmente entendemos que faz referência ao verbo “era” da primeira sentença do verso: “No princípio era o Verbo”. Ou seja, antes do princípio o Verbo já existia.

A última partícula que gostaria de chamar sua atenção é para aquela descrita em vermelho Θεὸς. Morfologicamente esse substantivo também está no nominativo, masculino singular, mas não vem acompanhado de artigo. Esse fenômeno, absolutamente comum no Grego Koinê indica primariamente duas coisas: (1) Que essa partícula é o predicado da oração, uma vez que via de regra os predicados vem desacompanhados de artigo; (2) Que o modo de tradução desse termo deve ser bem avaliado, pois tal ausência não implica necessariamente em indefinição como.

Do ponto de vista da ordem da frase, notamos que o predicado foi escrito antes do verbo. Essa construção é absolutamente comum ao Grego Koinê. Normalmente em grego a ordem das palavras não altera o significado da oração, pois a função sintática dos substantivos em uma frase é indicada pela declinação do mesmo e não por sua posição. Entretanto, quando um substantivo exercendo o papel de predicado sem artigo está no nominativo, posicionado antes do verbo, chamamos a essa sentença de Predicado Nominativo Anartro e Pré-Verbal e sua construção sintática e gramatical tem alguns detalhes que merecem ser observados.

Por isso, gostaria de deixar de lado por um momento o tão comentado caso de PN anartro pré-verbal de Jo.1.1c e observar outros exemplos menos disputados no Novo Testamento para tentarmos perceber a existência de algum padrão para traduzirmos esse tipo de sentença.
Nesse artigo também colocarei outras versões em português anexadas aos já conhecidos textos de Westcott e Hort (WHO) e da TNM para que o leitor perceba que essas traduções são similares na tradução dos PNs anartros e pré-verbais.

Entretanto, antes de prosseguirmos, é fundamental conceituarmos com mais detalhes e informações o que é um PN anartro e pré-verbal. Por isso, vamo primeiro olhar esse fenômeno lingüístico.

1. Conceituando o PN anartro e pré-verbal


Vamos iniciar nossa conceituação por definir alguns termos dessa setença:

  • Predicado Nominativo (PN): Predicado é a sentença que refere-se ao verbo sintaticamente e define, apresenta características do sujeito. Em grego, os substantivos no nominativo normalmente referem-se ao sujeito de uma oração. Entretanto, eventualmente exerce a função de predicado.
  • Anartro: é a designição para um substantivo desacompanhado de artigo.
  • Pré-verbal: Refere-se ao posicionamento do substantivo em relação ao verbo

Portanto, PN anartro e pré-verbal refere-se a uma construção sintática em que a ordem das palavras é importante do mesmo modo que a declinação e, merece devida atenção dos estudantes de grego koinê. O seu uso no NT é freqüente e acontece em diversas ocasiões teologicamente importantes para a Teologia do NT. Assim, o estudante fará bem se conhecer com mais detalhes esse importante fenônemo do idioma grego.

O estudo desse caso sintático ficou conhecido através do trabalho de E.C. Colwell, que diferente do que muitos pensam, aconteceu em primeiro lugar em sua dissertação de Doutorado “The Character of the Greek of John`s Gospel” (1931). Apenas, dois anos mais tarde Cowell escreveu um artigo chamado “A definitive rule for the use of the article em te Greek New Testament” em 1933 e desde então tem sido chamado como da “Regra de Cowell”.

Segundo Cowell tal regra poderia ser assim escrita: “Um predicado nominativo definido tem artigo quando segue o verbo, o não tem artigo quando precede o verbo[2]”. Essa regra até então não teria nada de especial, uma vez que muito antes dele A.T. Robertson já tinha atestado que “como regra o predicado não tem o artigo, mesmo quando o sujeito o usa[3]”. Entretanto o que é novo em Cowell é que sua pesquisa analisou casos específicos de predicados nominativos.

Como demonstração desse princípio Cowell demonstrou diversos textos, mas um interessante apresentado é o texto de João 19.21:

João 19:21
(WHO) ἔλεγον οὖν τῷ Πιλάτῳ οἱ ἀρχιερεῖς τῶν ᾿Ιουδαίων· μὴ γράφε· ὁ βασιλεὺς τῶν ᾿Ιουδαίων· ἀλλ᾿ ὅτι ἐκεῖνος εἶπεν, βασιλεύς εἰμι τῶν ᾿Ιουδαίων.
(PJFA) Diziam então a Pilatos os principais sacerdotes dos judeus: Não escrevas: O rei dos judeus; mas que ele disse: Sou rei dos judeus.

Note que na primeira ocasião em que o texto usa o termo rei ele vem acompanhado de artigo e segue após o verbo, ao passo que o segundo uso aparece antes do verbo e é anartro e em ambos os casos são entendidos definidamente[4].

Outra análise interessante que Cowell faz é que o uso da expressão Filho de Deus e Filho do Homem aplicados a Cristo no NT. Segundo seu artigo, a primeira expressão ocorre treze vezes como predicado com artigo e em todas elas acontecem após o verbo[5]. Em dez ocasiões essa mesma expressão aparece como predicado nominativo anartro e em nove aparece antes do verbo[6]. A décima ocasião (Mt.27.13) tem o termo Deus no genitivo antes do verbo, o que parece sugestivo.

Para a expressão Filho do Homem Cowell atesta que ela ocorre duas vezes como predicado nominativo e em uma vem acompanhada de artigo e está após o verbo (Mt.13.37) e outra vez sem artigo e está antes do verbo (Jo.5.27)[7].

Outro dado interessante que Cowell nos fornece com sua pesquisa é que no NT predicados definidos após o verbo em 90% dos casos acontece com artigo, e apenas 10% sem artigo. Na mesma pequisa ele acrescentou que Predicados definidos antes do verbo em 87% dos casos acontece sem artigo e apenas 13% com artigo[8].

Pouco à frente Cowell clarifica: “Uma inspeção de alguns substantivos predicados definido sem artigo irá demosntra que eles são definidos mesmo que eles não tenham artigo[9]”. Não é à toa que o nome desse artigo é “A definitive rule for the use of the article em te Greek New Testament”. Sua conclusão sobre o assunto, foi assim descrita por ele mesmo:


“Elas mostram [as informações desse artigo] que um predicado nominativo precede o verbo não pode ser traduzida com um substantivo indefinido ou qualitativo apenas por causa da ausência de artigo se o contexto sugere que o predicado é definido, ele deve ser traduzido definidamente independente da ausência do artigo. No caso de um substantivo predicado que segue o verbo o oposto é verdadeiro: a ausência do artigo nessa posição é muito mais seguro que esse substantivo seja indefinido[10]

Em outras palavras estamos dizendo que Cowell é quem organizou o conhecimento e uso do PN anartro e pré-verbal, e que a Regra de Cowell tem esse nome por que ele descobriu o uso gramático do grego koinê e não por que criou uma regra. Esse reconhecimento é importante por que alguns acreditam que a Regra de Cowell é na verdade uma criação teológica para defender a divindade de Cristo, o que é certamente uma clara demonstração de ignorância.

Aos que já leram o artigo de Cowell sabem que isso é uma injustiça com seu trabalho, pois nas mais de dez páginas de demonstração do funcionamento desse tipo de sentença uma pequena e rápida nota próxima ao fim do artigo inclui uma menção a Jo.1.1c. Ou seja, a o trabalho de Cowell foi auxiliar os futuros gramáticos a apresentarem uma característica do grego koinê que até então não havia sido classificada.

É importante também lembrar que alguns dos nossos acadêmicos trinitários têm ultrapassado o reconhecimento da Regra de Cowell. Daniel Wallace em sua gramática avançada apresenta alguns desses acadêmicos, como Nigel Turner que chega a compreender a sentença de Jo.1.1c como se o termo Deus também estivesse com artigo; ou Walter Martin que exagera ao afirmar que predicados nominativos nunca tem artigo quando precedem o verbo[11], o que Cowell nunca afirmou.

Na mesma gramática, Wallace apresenta outros dois acadêmicos que levaram um pouco adiante as pesquisas de Cowell e perceberam novas nuances na Regra de Cowell. O primeiro deles é o difamado (pelos TJs) Philip Harner (para mais informações veja o artigo Listas de tradução de Jo.1.1). Segundo Harner, Cowell não levou em consideração as ocasiões em que um predicado nominativo anartro e pré-vebal pode ter força qualitativa[12]. O outro acadêmico é Paul Dixon que declarou:

“A regra não diz: um predicado nominativo anarto que precede um verbo é definido. Isso é a conversa da Regra de Cowell e isso não é uma inferência válida. (Da declaração ‘A implica em B’não é válido inferir que ‘B implica em A’. Da declaração ; ‘Substantivos acompanhados de artigo são definidos’ não é a mesma coisa que ‘Substantivos definidos são articulados’. Da mesma forma, da declaração ‘Predicados nominativos precedidos por verbo são anartros’ não é correto inferir que ‘Predicados nominativos e anartros precedidos por verbos são definido[13]”.

Daniel Wallace também acresce informações sobre o estudo de Cowell e suas limitações e implicações, observe:


“Em referência à Regra de Cowell, apenas os predicados nominativos, anartros e pré-verbais foram estudados e previamente determinados com maior probabilidade de ser definido por seus contextos. Não foram estudados todos os casos de predicados nominativos anartros e pré-verbais. Mas, a conversa da regra, comumente realizada na academia do NT assume que todas as construções tenham sido examinadas[14]

Com isso dito entendemos que as informações oferecidas por Cowell são significativas para a compreensão do funcionamento do grego koine, entretanto, nem todos os casos teriam sido avaliados. Na avaliação de Harner, observamos que a conceituação qualitativa não discutida por Cowell é também fundamental para a compreensão dos predicados nominativos anartros e pré-verbais. Já na consideração de Wallace sobre os dois trabalhos, entendemos que a Regra de Cowell fora clarificada por Harner e ampliada por Dixon. Assim, podemos assumir que a conclusão de Wallace é adequada:


“Um PN anartro e pré-verbal é normalmente qualitativo, eventualmente definido e apenas raramente indefinido. Em nenhum dos dois estudos [Cowell e Harner] foram encontrados PN indefinidos. Nós acreditamos que existem alguns no NT, mas, ainda assim é a força semântica mais pobremente atestada nesse tipo de construção[15]

Essa conclusão de Wallace, montada sobre os estudos de Cowell, Harner e Dixon nos oferece um quadro mais claro do PN anartro e pré-verbal no NT. Essa conclusão certamente nos ajudará a observar as traduções desses casos na TNM e verificar se elas foram bem performadas. Em nossa avaliação, iremos buscar as sentenças que são sintaticamente idênticas as de Jo.1.1c e aquelas que são similares. O objetivo dessa busca e avaliação é verificar a validade da tradução da TNM para Jo.1.1c.

 2. Ocasiões Sintaticamente Idênticas


O primeiro grupo de versículo que vamos olhar são aqueles sintaticamente idênticos aos de Jo.1.1c. Quando digo idêntico, tenho em mente a construção sintática da sentença, ou seja, por ora vamos observar as sentenças gregas que seguem o seguinte padrão: Predicado Nominativo Anartro + Verbo de ligação + Artigo Nominativo + Substantivo Nominativo.

Em todo o Novo Testamento existem (até onde pude achar) dois casos idênticos aos de Jo.1.1c e o modo de tradução dessas sentenças pode nos ajudar a entender o modo de tradução da TNM:

Atos 28:4
(WHO) ὡς δὲ εἶδον οἱ βάρβαροι κρεμάμενον τὸ θηρίον ἐκ τῆς χειρὸς αὐτοῦ, ἔλεγον πρὸς ἀλλήλους· πάντως φονεύς ἐστιν ὁ νθρωπος οὗτος, ὃν διασωθέντα ἐκ τῆς θαλάσσης ἡ δίκη ζῆν οὐκ εἴασεν.
(TNM) Quando o povo de língua estrangeira avistou a bicha venenosa pendendo da mão dele, começaram a dizer uns aos outros: “Certamente este homem é assassino, e, embora se salvasse do mar, a justiça vingativa não permitiu que permanecesse vivo.”
(ARA) Quando os bárbaros viram a víbora pendente da mão dele, disseram uns aos outros: Certamente, este homem é assassino, porque, salvo do mar, a Justiça não o deixa viver.
(PJFA) Quando os indígenas viram o réptil pendente da mão dele, diziam uns aos outros: Certamente este homem é homicida, pois, embora salvo do mar, a Justiça não o deixa viver.

É interessante notar que as traduções apresentadas são unânimes: Todas descartam o sentido indefinido para essa sentença. É interessante que mesmo nessa forma de tradução entendemos que o sentido expresso pela frase, e pelo contexto, o PN anartro e pré-verbal não tem força indefinida. Certamente, os bárbaros não estavam pensando que Paulo era O matador como se houvesse apenas um, nem que ele era apenas mais um na multidão de assassinos que pudessem existir: Claramente a ênfase não é sobre a profissão de Paulo (um assassino), mas a que tipo de pessoa Paulo era (matador, homicida).

Nesse caso, a PJFA parece entender com um pouco mais de clareza a sentença escrita deixando a força qualitativa do texto exposta (Segue essa tradução em português as versões ARF, ARC, BRP).

O outro exemplo encontrado no NT expressa o mesmo fato de modo ainda mais claro, observe:

Marcos 2:28
(WHO) ὥστε κύριός ἐστι ὁ Υἱὸς τοῦ ἀνθρώπου καὶ τοῦ σαββάτου.
(TNM) portanto, o Filho do homem é Senhor até mesmo do sábado.
(ARA) de sorte que o Filho do Homem é senhor também do sábado.
(PJFA) Pelo que o Filho do homem até do sábado é Senhor.

Esse é um caso interessante: O sujeito da sentença tem adjunto adnominal (τοῦ ἀνθρώπου – do homem) do mesmo modo que o predicado (τοῦ σαββάτου – do sábado). Essa observação é importante para o que o leitor entenda a estrutura da sentença.

O mais interessante em uma cronstrução idêntica a de Jo.1.1c não vemos ninguém objetar que a tradução correlata das versões trinitárias está equivocada. Aliás, a TNM também segue a tradução correlata desse texto sem que qualquer demérito seja feito ao entendimento do texto. Note que a tradução indefinida aqui faria grande diferença: Se o Filho do Homem fosse um Senhor do sábado teríamos que entender que existem outros senhores do sábado, ou ao menos mais um, o que seria a perverção da verdade exposta nesse verso. Essa é a mesma conclusão que retiramos da tradução indefinida de Jo.1.1c.

É interessante observar o mesmo dilema de tradução sem as lentes da teologia, pois podemos observar as nuances da gramática grega. Mas, por que essa sentença não pode ser traduzida indefinidamente? Por que claramente a força desse PN anartro e pré-verbal é definida: Não existe outro Senhor do Sábado além de Jesus Cristo, e quanto a isso não há qualquer dúvida.

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Quando um texto está fora de debate teológico, fica mais claro o modo como a gramática grega se comporta e podemos observar com mais atenção a ela e dela retirar subsídios para entender outros casos teologicamente mais complicados, como Jo.1.1c. Por isso, vamos observar ocasiões de contruções similares, para que o leitor possa colher mais princípios gramaticais e de tradução dos famosos PN anartos e pré-verbais (doravante chamado de PNAPV) no NT.

Nos dois casos apresentados, vemos com clareza a “Regra” de Cowell, compreendemos a implementação de Harner e Dixon e concordamos com Wallace: “Um PN anartro e pré-verbal é normalmente qualitativo, eventualmente definido e apenas raramente indefinido”.

Um último detalhe importante é que em sentenças idênticas a TNM acompanha as traduções da ARA e PJFA demonstrando que seus tradutores parecem compreender o modo de tradução esperado para casos como os que temos analisados. Ou seja, fora das lentes da teologia a TNM segue a gramática grega. Para verificarmos se essa conclusão estende-se ao NT precisamos ainda observar ocasiões sintaticamente similares as de Jo.1.1c.

3. Ocasiões Sintaticamente Similares


Nesse artigo, chamo de orações sintaticamente similares aquelas que, como a sentença de Jo.1.1c, é formada por PNAPV, independente da ordem de sua composição. Nesse exercício também vou me limitar a alguns exemplos no Evangelho de João, para que o leitor possa entender melhor o modo de comunicação do autor de Jo.1.1c.

A. Com tradução Definida


Em algumas ocasiões a força da senteça é tão claramente definda que parece não haver distinções entre as versões analisadas. Esses versos teologicamente menos controvertidos também nos auxiliarão a perceber que a força definida é claramente estampada nas sentenças, mesmo que o predicado venha desacompanhado de artigo. Observe:

João 1:49
(WHO) ἀπεκρίθη Ναθαναήλ καὶ λέει αὐτῷ· ῥαββί, σὺ εἶ ὁ Υἱὸς τοῦ Θεοῦ, σὺ βασιλεὺς ε τοῦ ᾿Ισραήλ.
(TNM) Natanael respondeu-lhe: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel.
(ARA) Então, exclamou Natanael: Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!
(PJFA) Respondeu-lhe Natanael: Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és rei de Israel.

Note que que não há discussão a referência desse PNAPV: Do mesmo modo que Jesus é o Filho de Deus (perceba a presença do Artigo) ele é o Rei dos Judeus (note a fata de artigo). Nesse texto vemos claramente a “Regra” de Cowell: A sentença “εὁ Υἱὸς τοῦ Θεοῦ” vem após o verbo e tem artigo, ao passo que a segunda: “σὺ βασιλεὺς ε τοῦ ᾿Ισραήλ” acontece antes do verbo e não tem artigo e ainda assim ambas tem sentido claramente definido, sentido percebido pelas traduções da ARC, ARF e BRP.

A força definida aqui é claramente percebida pelo fato de que o predicado é um substantivo monádico, ou seja, é único em tipo e não necessita de artigo para ser definido. Esse é o caso de substantivos como sol, lua (Lc.21.25), Filho de Deus (Lc.1.35), Diabo (Jo.6.70) e assim por diante. Assim, esse PNAPV é claramente definido e sua força definida é vista, tanto pela construção sintática como pela classe de substantivo que pertenceo termo Rei. Veja mais um caso onde isso acontece:

João 17:17
(WHO) ἁγίασον αὐτοὺς ἐν τῇ ἀληθείᾳ· ὁ λόγος ὁ σὸς ἀλήθειά ἐστι.
(TNM) Santifica-os por meio da verdade; a tua palavra é a verdade.
(ARA) Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.
(PJFA) Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.

Observe que o mesmo tipo de sentença é usada aqui: PNAPV com substantivo monádico. Não há qualquer debate se existe outra verdade além daquela expressa pela Palavra de Deus e as versões em português entendem esse fato com clareza.

Contudo, é fundamental notar que a força definida não depende do uso de substantivos monádicos. No caso já observado tal substantivo acresce valor ao PNAPV. Em outros dois casos no evangelho de João, podemos observar que apenas a construção do PNAPV é suficiente para demonstrar esse fato:

João 3:29
(WHO) ὁ ἔχων τὴν νύμφην νυμφίος ἐστίν· ὁ δὲ φίλος τοῦ νυμφίου, ὁ ἑστηκὼς καὶ ἀκούων αὐτοῦ, χαρᾷ χαίρει διὰ τὴν φωνὴν τοῦ νυμφίου. αὕτη οὖν ἡ χαρὰ ἡ ἐμὴ πεπλήρωται.
(TNM) Quem tem a noiva é o noivo. No entanto, o amigo do noivo, estando em pé e ouvindo-o, tem muita alegria por causa da voz do noivo. Esta alegria minha, por isso, ficou completa.
(ARA) O que tem a noiva é o noivo; o amigo do noivo que está presente e o ouve muito se regozija por causa da voz do noivo. Pois esta alegria já se cumpriu em mim.
(PJFA) Aquele que tem a noiva é o noivo; mas o amigo do noivo, que está presente e o ouve, regozija-se muito com a voz do noivo. Assim, pois, este meu gozo está completo.

João 9:5
(WHO) ὅταν ἐν τῷ κόσμῳ ᾦ, φῶς εἰμι τοῦ κόσμου.
(TNM) Enquanto eu estiver no mundo, sou a luz do mundo.
(ARA) Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.
(PJFA) Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.

Nos dois casos vemos substantivos não monádicos sendo unanimemente traduzidos com força definida: Ou seja, o PNAPV também expressa sua força definida independente do tipo de substantivo em uso. Esses exemplos no Evangelho de João nos servem de referência para entender a mente do autor da sentença grega de Jo.1.1c (ver outros em João 10:2, 8; 12.31).

Sendo assim, é importante observarmos algumas das diversas ocasiões em que a tradução correlata foi utilizada pela TNM no Evangelho de João e observar suas características.

B. Com Tradução Correlata


Tenho chamado tradução correlata aquela que não tem artigo no grego e no protuguês. Embora nem Cowell, Harner, Dixon ou Wallace tenham falado sobre esse tipo de tradução (até por que pensam na tradução para o inglês) entendo que grande parte dos PNAPV podem ser traduzidos para o português dessa forma sem o que sentido da sentença se perca.

Nesses casos, a tradução correlata é um modo de tradução intermediário entre a tradução definida e qualitatica. Para que esse princípio fique claro, vamos observar alguns exemplos:

1. Tradução Correlata com Força Definida:

Em alguns casos a tradução não venha acompanhada de artigo, como no original, mas a força da sentença nos faz entender tal expressão definidamente, observe:

João 13:35
(WHO) ἐν τούτῳ γνώσονται πάντες ὅτι ἐμοὶ μαθηταί ἐστε, ἐὰν ἀγάπην ἔχητε ἐν ἀλλήλοις.
(TNM) Por meio disso saberão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor entre vós.
(ARA) Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros.
(PJFA) Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.

Nesse caso vemos claramente que a referência é definida e que a presença do pronome pessoal reforça tal reconhecimento. Mas, como já disse, não é a presença ou ausência de pronome que define essa força definida, mas a construção sintática PNAPV. Observe outros exemplos:

João 18:37
(WHO) εἶπεν οὖν αὐτῷ ὁ Πιλᾶτος· οὐκοῦν βασιλεὺς ε σύ; ἀπεκρίθη ὁ ᾿Ιησοῦς· σὺ λέγεις ὅτι βασιλεύς εἰμι ἐγώ. ἐγὼ εἰς τοῦτο γεγέννημαι καὶ εἰς τοῦτο ἐλήλυθα εἰς τὸν κόσμον, ἵνα μαρτυρήσω τῇ ἀληθείᾳ. πᾶς ὁ ὢν ἐκ τῆς ἀληθείας ἀκούει μου τῆς φωνῆς.
(TMN) Portanto, Pilatos disse-lhe: “Pois bem, és tu rei?” Jesus respondeu: “Tu mesmo estás dizendo que eu sou rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que está do lado da verdade escuta a minha voz.”
(ARA) Então, lhe disse Pilatos: Logo, tu és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.
(PJFA) Perguntou-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.

Nesse caso a construção da primeira setentença em destaque é exatamente igual ao texto de Jo.1.49: Pilatos pergunta se Jesus Cristo é o Rei e ele responde exatamente isso. Pela resposta de Cristo, escrita como PNAPV, entendemos que Ele não se considerava um Rei entre tantos, ou como de qualidade Real, mas como O Rei que Natanael havia encontrado. A força desse diálogo exige esse reconhecimento. (Um exemplo similar, envolvendo um substantivo monádico é visto em João 11.49 e 11.51, onde claramente há força definida para o PNAPV sumo sacerdote).

Esse tipo de situação nos auxilia vislumbrar cores no texto grego que geralmente ficam monocromáticas na tradução. Entretanto, gostaria de apresenta mais um exemplo desse tipo de situação para que o leitor perceba que em alguns casos é possível confundir a força definida, ou até mesmo qualitativa, de um PNAPV acrescendo o sentido indefinido ao texto de modo equivocado, observe:

João 8:44
(WHO) ὑμεῖς ἐκ τοῦ πατρὸς τοῦ διαβόλου ἐστὲ, καὶ τὰς ἐπιθυμίας τοῦ πατρὸς ὑμῶν θέλετε ποιεῖν. ἐκεῖνος ἀνθρωποκτόνος ἦν ἀπ᾿ ἀρχῆς καὶ ἐν τῇ ἀληθείᾳ οὐχ ἔστηκεν, ὅτι οὐκ ἔστιν ἀλήθεια ἐν αὐτῷ· ὅταν λαλῇ τὸ ψεῦδος, ἐκ τῶν ἰδίων λαλεῖ, ὅτι ψεύστης ἐστὶ καὶ ὁ πατὴρ αὐτοῦ.
(TNM) Vós sois de vosso pai, o Diabo, e quereis fazer os desejos de vosso pai. Esse foi um homicida quando começou, e não permaneceu firme na verdade, porque não há nele verdade. Quando fala a mentira, fala segundo a sua própria disposição, porque é um mentiroso e o pai da [mentira].
(ARA) Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.
(PJFA) Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele é homicida desde o princípio, e nunca se firmou na verdade, porque nele não há verdade; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio; porque é mentiroso, e pai da mentira.

Note que as versões em português optaram pela tradução correlata exceto a TNM. Nesse caso entendo que a opção da TNM é uma violação ao texto e da compreensão da “Regra” de Cowell. Observe a sentença grega com atenção: “ὅτι ψεύστης ἐστὶ καὶ ὁ πατὴρ αὐτοῦ”. Em primeiro lugar quero chamar sua atenção para o posicionamento do verbo em relação aos substantivos: (a) o substantivo ψεύστης é um PNAPV ao passo que (b) πατὴρ é um predicado articulado no nominativo e após o verbo. Esses dois reconhecimentos estabelecem que é bem possível que ambas as sentenças sejam definidas (como João 1.49). Em segundo lugar o texto trata do Diabo, que segundo o texto “quando profere mentira fala do que lhe é próprio”, ou seja, ele é Mentiroso. Essa observação contextual demonstra que o texto claramente o denomina O Mentiroso, como o mais excelente em sua espécie, ou de modo como nenhum outro mentiroso o é, pois ele é O Pai da Mentira. Todas essas designações favorecem o entendimento definido desse PNAPV.

2. Tradução Correlata com Força Qualitativa

É interessante que em alguns casos, a tradução foi correlata, mas o sentido é claramente qualitativo e se tal tradução fosse realizada o sentido das sentenças seria melhor compreendido. Veja o exemplo abaixo:

João 3:4
(WHO) λέγει πρὸς αὐτὸν [ὁ] Νικόδημος· πῶς δύναται ἄνθρωπος γεννηθῆναι γέρων ν; μὴ δύναται εἰς τὴν κοιλίαν τῆς μητρὸς αὐτοῦ δεύτερον εἰσελθεῖν καὶ γεννηθῆναι;
(TNM) Nicodemos disse-lhe: “Como pode um homem nascer, sendo velho? Será que pode entrar pela segunda vez na madre de sua mãe e nascer?”
(ARA) Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez?
(PJFA) Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?

Note que todas as traduções entenderam a ausência de artigo com o substantivo “homem” com indicação de indefinição. Essa conclusão é acertiva na expressão dessa setença. Contudo, note que todas as traduções optaram aqui pela tradução de “γέρων” como velho anartro em protuguês, sendo que o sentido apresentado aqui é claramente “idoso”, já avançado em dias. O sentido qualitativo apresenta nuances nesse verso que enriquecem a compreensão do texto (veja exemplos como esse em Jo.8.34 e 48).

3. Tradução Correlata com Força Correlata

Em outras ocasiões o PNAPV é traduzido do modo correlato e tal tradução parece ser a mais plausível para o texto. Veja alguns exemplos:

João 5:10
(WHO) ἔλεγον οὖν οἱ ᾿Ιουδαῖοι τῷ τεθεραπευμένῳ· σάββατόν ἐστιν· οὐκ ἔξεστί σοι ἆραι τὸν κράβαττόν.
(TNM) Os judeus começaram, por isso, a dizer ao homem curado: “É sábado, e não te é lícito carregar a maca.
(ARA) Por isso, disseram os judeus ao que fora curado: Hoje é sábado, e não te é lícito carregar o leito.
(PJFA) Pelo que disseram os judeus ao que fora curado: Hoje é sábado, e não te é lícito carregar o leito.

Nesse caso, alguns gramáticos tem suposto que a força do texto é qualitativa (sabático), entretanto tal opção não parece compatível com o texto do mesmo modo que não há força indefinda no PNAPV. Por conseguinte, a melhor forma de se compreender esse texto é de modo correlato. Assim, não há demérito ao texto nem promoção de equívocos interpretativos. Exemplos similares a esses podem ser vistos em Jo.9.28; 20.14 e 21.4.

C. Com Tradução Qualitativa

 

Os casos de PNAPV de força qualitativa são as ocasiões onde tal construção e tradução clarifica o texto grego. Observe dois exemplos:

João 3:6
(WHO) τὸ γεγεννημένον ἐκ τῆς σαρκὸς σάρξ ἐστι, καὶ τὸ γεγεννημένον ἐκ τοῦ Πνεύματος πνεῦμά ἐστι.
(TNM) O que tem nascido da carne é carne, e o que tem nascido do espírito é espírito.
(ARA) O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito.
(PJFA) O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.


João 6:63
(WHO) τὸ πνεῦμά ἐστι τὸ ζῳοποιοῦν, ἡ σὰρξ οὐκ ὠφελεῖ οὐδέν· τὰ ῥήματα ἃ ἐγὼ λελῶ ὑμῖν, πνεῦμά ἐστι καὶ ζωή ἐστιν.
(TNM) É o espírito que é vivificante; a carne não é de nenhum proveito. As declarações que eu vos tenho feito são espírito e são vida.
(ARA) O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida.
(PJFA) O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida.

No primeiro exemplo a força é claramente qualitativa: O que é nascido da carne é carnal e o que é nascido do Espírito é espiritual. Essa simples modificação na tradução acresce novas nuances na compreensão do texto. Do mesmo modo que o segundo exemplo.

Observe que Jesus Cristo ensia que o Espírito é o que vivifica. Tal relação entre o Espírito e a Vida é oferecida na primeira sentença que na sequência ele afirmar que suas Palavras são Espirituais e Vivificantes. Essa relação textual nos oferece uma compreensão mais clara do ensino de Jesus Cristo.

D. Com Tradução Indefinida


Nessa seção pretendo transcrever algumas ocasiões em que a TNM ofereceu uma tradução indefinida para PNAPV no Evangelho de João. Isso acontece mais 5 vezes no evangelho de João e nossa intenção é verificar se tal tradução reflete o dilema do PNAPV:

João 10:33
(WHO) ἀπεκρίθησαν αὐτῷ οἱ ᾿Ιουδαῖοι λέγοντες· περὶ καλοῦ ἔργου οὐ λιθάζομέν σε, ἀλλὰ περὶ βλασφημίας, καὶ ὅτι σὺ νθρωπος ν ποιεῖς σεαυτὸν Θεόν.
(TNM) Os judeus responderam-lhe: “Nós te apedrejamos, não por uma obra excelente, mas por blasfêmia, sim, porque tu, embora sejas um homem, te fazes um deus.
(ARA) Responderam-lhe os judeus: Não é por obra boa que te apedrejamos, e sim por causa da blasfêmia, pois, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo.
(PJFA) Responderam-lhe os judeus: Não é por nenhuma obra boa que vamos apedrejar-te, mas por blasfêmia; e porque, sendo tu homem, te fazes Deus.

Nesse caso temos um claro caso de má tradução do PNAPV. Em primeiro lugar, a ênfase no texto não é o demérito da pessoa de Cristo, como se fosse qualquer um, ou na quantidade de pessoas que ele era: apenas humano. A questão é sua essencia tal como observada pelos fariseus. A força qualitativa desse texto é muito forte e a acusação dos fariseus exige a relação de antagonismo na sentença: “ὅτι σὺ ἄνθρωπος ὢν ποιεῖς σεαυτὸν Θεόν” (tu sendo humano).

Em segundo lugar o uso anartro de θεος nesse texto (que já foi traduzido de modo correlato nas primeiras versões da TNM) é mal compreendido e mal traduzido. A acusação dos fariseus é uma resposta a frase: Eu e o Pai somos um. Ou seja, eles não entendem que essa unidade que Pai e Filho experimentam é uma outra forma de deidade, mas uma identidade com Ela.

Assim, a antagonia da percepção dos fariseus (ele é um humano) e da declaração de Jesus (Eu e o Pai somos um) causou nos fariseus o sentimento de que uma blasfêmia teria sido cometida. Por isso, a tradução indefinida no PNAPV e no uso anartro de θεος é um claro equívoco de tradução. Certamente, tal equívoco não foi inocente, mas maldosamente motivado por Teologia.

João 12:6
(WHO) εἶπε δὲ τοῦτο οὐχ ὅτι περὶ τῶν πτωχῶν ἔμελεν αὐτῷ, ἀλλ᾿ ὅτι κλέπτης ν, καὶ τὸ γλωσσόκομον εἶχε καὶ τὰ βαλλόμενα ἐβάσταζεν.
(TNM) Ele disse isso, porém, não porque estivesse preocupado com os pobres, mas porque era um ladrão e tinha a caixa de dinheiro e costumava retirar dinheiro posto nela.
(ARA) Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres; mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava.
(PJFA) Ora, ele disse isto, não porque tivesse cuidado dos pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, subtraía o que nela se lançava.

Novamente, a força qualitativa é confundida com a indefinida. A ênfase não é a profissão, mas a descrição do caráter de alguém que já havia sido chamado de Diabo. Nesse texto o foco não é apresentar Judas como um ladrão entre muitos outros, mas demonstrar o seu mau caráter.

João 12:31
(WHO) νῦν κρίσις ἐστὶ τοῦ κόσμου τούτου, νῦν ὁ ἄρχων τοῦ κόσμου τούτου ἐκβληθήσεται ἔξω.
(TNM) Agora há um julgamento deste mundo; agora será lançado fora o governante deste mundo.
(ARA) Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso.
(PJFA) Agora é o juízo deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo.

A teologia de João usa o substantivo κρίσις de modo muito específico. No evangelho de João esse substantivo acontece quatro vezes no nominativo (3.19; 5.30; 8.16 e 12.31) e em todos os casos é entendido definidamente. Note que em duas ocasiões o substantivo κρίσις exerce o papel de sujeito da oração e como esperado vem acompanhado de artigo (5.30; 8.16). Na ocasião de 3.19 vemos que trata-se de um predicado nominativo artro e pós-verbal seguindo a “Regra” descoberta por Cowell. Todos os casos são definido. Sendo assim, entendemos que no contexto de João o substantivo κρίσις é monadico. Ou seja, trata-se de um foco e uma ênfase em todas as ocorrências. Assim, um substantivo monádico em uma construção PNAPV é certamente definido como a PJFA bem observou.

Os únicos casos em que a força indefinida parece estar presente (ainda que muitoa discussão aconteça sobre o assunto) é visto em Jo.4.19 e 9.17:

João 4:19 (cf. 9.17 – situação similar)
(WHO) λέγει αὐτῷ ἡ γυνή· Κύριε, θεωρῶ ὅτι προφήτης ε σύ.
(TNM) A mulher disse-lhe: “Senhor, percebo que és um profeta.
(ARA) Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que tu és profeta.
(PJFA) Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta.

O verso de Jo.4.19 é considerado por Daniel Wallace como o mais provável caso de PNAPV de força indefinida do NT[16]. Entretanto duas observações devem ser feitas: (1) normalmente a ênfase dos PNAPV está sobre os atributos da definição e não a classe ou categoria do substantivo em definição; (2) a sentença é referente a percepção (θεωρῶ) de uma samaritana.

Com essas duas observações podemos considerar que o sentido definido não é o mais adequado, pois é improvável que essa mulher pudesse o reconhecer como O Profeta de Dt.18. Por outro lado, o modo correlato (em cima do muro nesse caso) também poderia ser uma boa representação para um modo acertivo de tradução desse texto, como a ARA, PJFA, ACF, ARC, BRP. Contudo, a percepção da mulher samaritana sugere que o sentido qualitativo é o favorável aqui. Seria como se ela dissesse (em uma paráfrase livre): Percebo que você tem capacidade profética.

Contudo, tal opção, por mais favorável que possa ser não é definitiva. Ou seja, ainda que o modo acertado de tradução seja reconhecendo a força indefinida do PNAPV de Jo.4.19 temos que admitir que seria o único caso no Evangelho de João.

*      *       *       *

O que podemos dizer dessa breve análise dos usos dos PNAPV no Evangelho de João? Que normalmente a força do PNAPV é definido, correlato ou qualitativo e que de todas as vezes que a TNM traduziu um PNAPV indefinidamente, apenas em um caso isso é provável. Essa informação nos fornece subsídio claro para a compreensão de Jo.1.1c e a tradução indefinida da TNM.

4. Conclusão


O que concluímos até aqui?

  1. Que em situações sintaticamente idênticas as de Jo.1.1c a TNM descarta a possibilidade de tradução indefinida por rejeitar a força indefinida dos PNAPV nesses casos.
  2. Que em situações similares, a vasta maioria de exemplos no Evangelho de João demonstra que o uso normal dos PNAPV é entendido como definido, correlato ou qualitativo.
  3. Que as ocasiões onde a TNM opta por traduzir indefinidamente os PNAPV ela está equivocada em diversas delas.
  4. Que dentre todos os usos de PNAPV do evangelho de João, apenas um caso é provavelmente indefinido, e ainda assim faria referência a voz de um pagão.

Portanto, tendo feito essa análise é seguro inferir que o modo de traduzir Jo.1.1c deve ser qualitativo ou correlato, salvo alguma indicação contextual. Note que a construção de Jo.1.1c é um PNAPV com substantivo θεος no singular. Vale lembrar que esse substantivo no singular é monádico (pois não há outro Deus), ou seja, a tradução qualitativa ou correlata é certamente a tradução correta desse verso.


[1] Muito embora todas as opções não denotem qualquer tipo de Pessoalidade (por elas mesmas), a tradução “A Mensagem” é a que causa mais conflito na mente do falante de português. Por essa razão considero essa opção como remota, embora possível par ao português. Já a pessoalidade do Logos é claramente vista na seqüência do texto, especialmente os versos 3, 14.

[2] E.C. Cowell, A definitive rule for the use of the article em te Greek New Testament. Journal of Biblical Literature, 52 (1933), pp.13.

[3] ROBERTSON, A.T., A Grammar of the New Testament, pp.767.

[4] Cowell cita outros exemplos: Mt.27.11, 24; Mc.15.2; Lc.23.3, 37; Jo.18.33

[5] Mt 16:16; 26:63; Mc 3:11; 15:39; Lc 4:41; 22:70; Jo 11:37; 20:31; At 9:20; 1 Jo 4:15; 5:5

[6] Mt 4:3, 6; 14:33; 27:40, 54; Lc 4:3, 9; Mc 15:39; Jo 10:36.

[7] E.C. Cowell, A definitive rule for the use of the article em te Greek New Testament. Journal of Biblical Literature, 52 (1933), pp.13

[8] Idem, pp.17

[9] Idem, IBID.

[10] Idem, pp. 20-1

[11] Daniel Wallace, Grammar Greek beyond the Basics. Pp. 257

[12] Idem, pp. 259.

[13] Dixon, “Anarthrous Predicate Nominative,” 11-12. IN: Daniel Wallace, Grammar Greek beyond the Basics. Pp. 259.

[14] Daniel Wallace, Grammar Greek beyond the Basics. Pp. 261.

[15] Daniel Wallace, Grammar Greek beyond the Basics. Pp. 262. 

[16] Daniel Wallace, Grammar Greek beyond the Basics. Pp. 266.






ENCONTRADO NO SITE: https://marceloberti.wordpress.com/2009/12/02/jesus-e-um-deus-sera-mesmo/

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